Total de visitas: 1099
Crônicas
O Dia da Árvore
Desde criança tenho uma certa atração por árvores. É algo inexplicavelmente gostoso, assim como relação materna. Há um certo ar de respeitabilidade e admiração acompanhado de uma sensação de carinho e amparo, frutos talvez, do tamanho quase sempre avantajado que as árvores possuem.
No caminho de casa ao trabalho, entre tantas árvores que me saúdam todos os dias com seu farfalhar de folhas, com a reverência de um ou outro galho curvado pelo vento, uma delas merece atenção especial. Trata-se de uma frondosa amendoeira - pobres das amendoeiras - , felizmente nascida à porta de uma escola. Quantas árvores não gostariam de ter a mesma sorte? Sempre ali, acolhendo do sol e da chuva carros e pessoas, pássaros e insetos...
A cada outono, suas folhagens violáceas contrastavam com o paredão do prédio como uma obra de arte. É como se ruborizasse, um rubor gostoso e desconcertante, confidente que era das frases sussurradas ao pé do ouvido pelos casaizinhos apaixonados. Às vezes sua sombra era olhar materno sobre as crianças que algazarreavam ali em volta naquela explosão de vida, de papéis picados, de pipocas... Outras vezes era a serenidade, o aconchego e até mesmo a cumplicidade que acolhia os adolescente que, não raro matando aula, buscavam o encosto de seu grande tronco para trocar carícias, juras e promessas. As florezinhas amarelas (aqui acho que vale a pena dizer florezinhas) caíam em seus cabelos, como a celebrar a doce descoberta do amor.
Foi com grande pesar que ontem ao passar pela manhã vi um desses caminhões com guindaste e homens com serras elétricas e seus gritos de guerra. Junto com cada galho caía um pouco da história que fora construída dia a dia. Cada investida da lâmina fria em seu caule suculento, um gemido mudo não conseguia conter a seiva, lágrima resignada de alguém que parecia ter consciência do dever cumprido.
Mais tarde vi passar o caminhão na estrada com a carroceria cheia de pedaços de histórias, sonhos barulhentos de crianças, juras de casais apaixonados e segredos perdendo-se ao vento.
Nos dias seguintes havia aquele grande vazio, a imensa parede nua...E as pessoas que ao atravessarem a rua em busca de uma outra sombra que se projetava do lado oposto nem se davam conta de que lá no íntimo, mesmo que inconscientemente, sentiam falta da árvore.
Charles O. Soares